As Cartas Que Eu Nunca Enviei.
As palavras nunca somem, apenas são engolidas.
Para falar a verdade, quando a
propôs esse tema, eu não sabia o que dizer, muito menos o que escrever. Passei o sábado, o domingo e a segunda sem nem ao menos pensar nisso. E, ironicamente, é um tema simples, algo que faz parte da vida de todos. É quase um evento canônico na existência humana. Afinal, aquele textão que um dia você escreveu – ou recebeu – nada mais é do que uma carta.Queria pensar fora da caixinha, porque vi tantas pessoas abordando esse tema de forma mágica. E, hoje, quero falar sobre cartas. Cartas que nunca foram lidas. Cartas que sequer foram escritas.
Cartas de amor.
Cartas de despedida.
Cartas de morte.
Cartas de bens.
Cartas de desejos.
Quantas cartas gostaríamos de ter escrito, mas nunca escrevemos? Quantas nunca tiveram um destinatário? O primeiro destinatário, talvez, seja o Papai Noel – se ele existisse. Cartas natalinas em que pediríamos brinquedos, jogos… quem sabe até um irmão. Cartas para mães e pais que só existem nos sonhos e nos desejos. Cartas de perdão, que nunca foram enviadas por medo de uma resposta que não viria. Cartas de amor, escritas no impulso do desejo, da ânsia de ter, do "e se". Cartas para o primeiro amor. Para o último. Cartas proibidas, seladas no último beijo.
Todas essas cartas – e tantas outras – não foram, não estão sendo e, em algum momento da história, não serão escritas. Não serão lidas. Apenas engolidas.
Todos nós temos o desejo de expressar o que sentimos. E a escrita tem esse poder: ela materializa o que está dentro de nós. Mas como despejar emoções quando não há um remetente? Como não ter o medo de escrever? Então voltamos à estaca zero.
Palavras são engolidas. Sem respostas.
Eu queria ter escrito tantas cartas! Mas o medo me roubou esse desejo. Hoje, eu escreveria para Arthur M., Camilly V., Ana Laura C., Ana Luísa C., Luísa, Paulo, Kaynã C., Malu N., David R., Tatiane A. Escreveria por tantos motivos: amor, perdão, explicação, saudade, nostalgia, infância.
Talvez, em algum outro universo, essas cartas tenham sido escritas. Talvez, em alguma realidade paralela, elas tenham sido lidas. Mas não penso nisso para me confortar. Penso nisso para me lembrar do impacto que palavras não ditas ou escritas poderiam ter tido. Do quanto elas poderiam ter mudado a minha história.
Esse tema me lembrou o livro A Biblioteca da Meia-Noite. E se, talvez, em algum lugar no vácuo do universo – sem gravidade, sem a existência de seres ou qualquer forma de vida – essas cartas estivessem sendo guardadas?
Talvez haja um correio fantasma, onde todas as palavras não ditas repousam, esperando que, um dia, alguém finalmente as leia.
Mas não. Isso não existe. E nem deve existir.
Isso é apenas o meu desejo e a minha imaginação tentando dar um fim digno às palavras que um dia engoli.
Elas estão todas aqui, dentro de mim.
Entaladas na minha garganta, me fazendo pensar, pensar e pensar.
Eu deveria ter escrito.
Eu devia.
Agora, minhas próprias palavras sobre meus sentimentos me fazem engasgar. Me fazem sangrar.
A referência de milhões no multiverso da biblioteca 🥹
Texto incrível! Hoje coincidentemente achei duas cartas escritas em 2008. Uma minha para minha mãe e uma dela, pra mim. Foi incrível ler tudo e receber o sentimento de novo, choramos horrores (enviei pra ela) e como é bom quando a gente realmente envia a carta né?
meu deus eu amei